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Anti-Praxe

Lei n.º 62/2007, art. 75.º n.º 4 b) - Constituem infracção disciplinar dos estudantes: A prática de actos de violência ou coacção física ou psicológica sobre outros estudantes, designadamente no quadro das «praxes académicas».

Anti-Praxe

Lei n.º 62/2007, art. 75.º n.º 4 b) - Constituem infracção disciplinar dos estudantes: A prática de actos de violência ou coacção física ou psicológica sobre outros estudantes, designadamente no quadro das «praxes académicas».

Praxe no P3 do Público

05.02.12

Destaque para uma interessante reportagem de Mariana Correia Pinto, no site P3 do Público.

A quem agradecemos o contacto. Para ver a reportagem basta seguir o link.

 

> From: Mariana.Pinto@publico.pt
> Date: Mon, 30 Jan 2012 15:23:46 +0000
> Subject: reportagem P3/ PÚBLICO
> Boa tarde,
> Sou jornalista do P3, o novo site do PÚBLICO, e temos hoje um trabalho sobre o documentário do Bruno Moraes Cabral, o Praxis.
http://p3.publico.pt/cultura/filmes/2098/praxe-o-desejo-de-obedecer-hoje-para-comandar-amanha
> Estou a recolher algumas reacções a este documentário - e sobre a praxe em geral - e gostava de falar convosco. Têm algum contacto para onde possa ligar durante a tarde de hoje?
> Melhores cumprimentos,
> Mariana Correia Pinto

Líderes da Ignomínia

03.02.12

"Bem vindo à Escola dos Líderes"
Por Manuel Loff

Como é possível que milhares de jovens que entram anualmente no ensino superior, se sujeitem a semelhante humilhação?

Há dias participei no Porto num debate sobre o documentário Praxis que o realizador Bruno Cabral dedicou à observação da chamada "praxe académica", e que foi projetado por proposta da Associação Milímetro. O filme ganhou o prémio do DocLisboa para a melhor curta-metragem nacional, não está em circuito comercial, e foi apresentado apenas em debates, em universidades ou fora delas, e na própria Assembleia da República.

Aquilo a que se tem chamado "praxe" é essa série de práticas mais ou menos ritualizadas de que são alvo (para não dizer diretamente "vítima") os estudantes recém-entrados nas escolas de ensino superior, antes mais ou menos restritas a Coimbra, mas que hoje, 30-40 anos passados sobre o seu desaparecimento, em plena contestação da ditadura e durante o processo revolucionário, se generalizaram a um conjunto de escolas e de cidades incomparavelmente mais diverso do que no passado.

A filosofia do documentário (de que Carlos Isaac é diretor de fotografia) é mesmo a de mostrar, cruamente, com o cuidado de não recorrer a qualquer discurso interpretativo. O que nos permite, aliás, obriga, a tomar partido. A câmara mostra-nos práticas de gosto completamente duvidoso (obrigar estudantes a comer alho até ao vómito, para conseguir, na linguagem dos "veteranos" que organizam e supervisionam a cena, a sua "desparasitação"; despejar garrafões de vinho sobre estudantes seminus; enfarinhá-los; vendá-los; obrigá-los a demonstrar a sua maturidade através da ingestão de álcool; ...) que estão muito longe de nos surpreenderem. O mais revoltante, contudo, é toda a representação de um ambiente de caserna que transforma uma experiência tão entusiasmante quanto deveria ser a dos primeiros meses de entrada na universidade numa simulação reles de uma recruta de tropa especial, integrando o pior, o mais violento, o mais indignante, da cultura militar. Grita-se permanentemente ao "caloiro" que ele não pode "olhar nos olhos dos veteranos"; reúnem-se centenas de estudantes num "juramento de praxe" no qual se exige aos "caloiros" declarações solenes de obediência a outros estudantes que, um/dois anos mais velhos, se tanto, por terem passado pelas mesmas experiências humilhantes, pensam ter ganho o direito de as infligir a outros recém-chegados. Entoam-se refrões com que se pretende sublinhar a "superioridade" de uma determinada escola/curso, que podem chegar a impronunciáveis grosserias que, permitam-me, fazem rimar a sigla ISCTE com órgãos sexuais masculinos sempre em pé...

Sucedem-se exercícios a que se obriga os recém-entrados, repetidos até à náusea, numa auto-humilhação que os torna terrivelmente constrangedores, quase todos centrados numa paródia psicótica da sexualidade: forçam-se estudantes a repetir, um a um, perante os seus colegas, em cima de uma mesa, quadras grosseiras sobre o seu pretenso gosto em práticas homossexuais; simulam-se em público, perante centenas de colegas, atos sexuais, enquanto os "caloiros" verbalizam expressões de prazer que lhes são impostas; num caso, um "caloiro" deve esfregar terra e bosta húmidas no cabelo de uma colega sua e simular que a penetra analmente...

O filme deixa-nos incrédulos. Como é possível que milhares de jovens que entram anualmente no ensino superior, se sujeitem a semelhante humilhação psicológica, afetiva, física?! E como é possível que banais estudantes universitários (que não são propriamente membros de seitas neonazis ou de claques de futebol) a pratiquem, em Portugal, no séc. XXI? É um jogo, dizem-me, uma "brincadeira". Na qual, para espanto meu (ou talvez não...), não há um sorriso, uma gargalhada da parte das vítimas/protagonistas deste disparate todo, o que é parte intrínseca do ritual! Grita-se, insulta-se, suja-se, magoa-se... Um teatro da provação, da submissão do dominado a quem se exige que a aceite, e da tortura sádica da parte do que representa o papel do dominador. Digam-nos o que disserem, é inaceitável não se perceber as consequências psicológicas e morais de semelhantes rituais.

A grande maioria destes rituais foram filmados (e são realizados) dentro das faculdades, ou no perímetro imediatamente exterior, o que incumpre abertamente a lei. Não há como evitar perceber que eles se fazem. Desolador é ver, por exemplo, um padre que fala a "caloiros", sentados no chão, vestidos de forma absurda e vigiados pelos "veteranos", de pé. O sacerdote repete-lhes que "praxe tem uma dimensão de integração" (tese atrás da qual se protege quem a organiza) e perora sobre a distinção entre a "verdadeira" e a "falsa alegria" naquela que se designa a "bênção ao caloiro"...

Rituais de iniciação a que se submeteram, e submetem, aprendizes e todo o tipo de recém-chegados a profissões, ciclos de estudo e de formação militar ou outra, existiram ao longo dos tempos e dispersos por modelos de sociedade muito diversos. Tal não as faz mais aceitáveis. Sempre produziram violência, física e psicológica, ferimentos, mortes. Nas universidades, são erroneamente descritas como produto de uma pretensa "tradição académica" que não passa de uma adaptação a cada momento histórico da aplicação prática de valores e princípios mais ou menos dominantes em determinada comunidade. É arrepiante perceber que aqui esses valores são os da legitimidade e bondade de uma humilhação que permite à vítima poder sentir-se parte do grupo, da confusão entre "integração" e "submissão" a uma autoridade absurda. De uma "praxe incutidora de valores", que "nos ajuda nesta grande escola de vida que é a Universidade", fala uma caloira, que agradece, de joelhos e autodescrevendo-se como "reles bicho", aquilo por que a tinham feito passar.

Num átrio em que se realizam algumas destas práticas, em letras garrafais, alguém escreveu: "Bem vindo à Escola dos Líderes". É o ISCTE. Por acaso. Podia ser qualquer outra...

 

http://jornal.publico.pt/noticia/02-02-2012/bem-vindo-a-escola-dos-lideres-23904084.htm