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Com a devida vénia ao autor, por se tratar de uma opinião em jornal público, divulgamos:
A praxe e o sistema
Nos meus tempos académicos, a praxe era uma coisa algo tímida a renascer com alguma tensão da proscrição a que tinha sido votada nos calores dos anos 70. Recordo uma recepção ao caloiro com aulas forjadas e uns carimbos na testa e recordo os desfiles da Queima. Usar traje académico não seria directamente equivalente a ser betinho, mas quase. Não sei comparar se a alegria era mais genuína ou menos do que agora, mais regada ou não, mas de uma coisa tenho a certeza: das regras académicas, a grande maioria conhecia apenas a cor dos cursos e as insígnias do ano.
Uma geração depois, ao ouvir falar do "sistema" da praxe e das "tradições" académicas, fico siderado com tão pomposa e fútil complexidade. Deixando de lado os casos óbvios de abuso e de desrespeito básico, inquestionavelmente condenáveis, se a chamada recepção ao caloiro tem apenas o objectivo, são, de receber e integrar, não necessitaria de tão tortuosa "regulamentação".
Um caloiro, para ser integrado (e respeitado?), tem que aprender uma legislação complexa, por vezes a tocar o delirante, e respeitar/prestar vassalagem a uma organização sem mérito subjacente. Se eu fosse hoje caloiro, gostaria de dispensar essas obrigações e poder mandar directamente àquela parte os "doutores" que me coagissem a entrar em brincadeiras que não aprecio. Poderia fazê-lo sem riscos agravados?
Um sistema são é aquele em que a autoridade e a liderança são baseadas no mérito, não se podendo considerar meritório passar muitos anos sem concluir um curso, é um sistema de afirmação pessoal individual sem a sorte ou o azar dos padrinhos de circunstância e em que as regras e as leis têm um objectivo construtivo que as justifica e não são arbitrárias, gratuitas e inconsequentes.
O sistema da praxe e respectivo "poder" não são legítimos nem saudáveis numa sociedade em que os valores de base devem ser clareza, justiça, respeito, iniciativa e mérito. Em grande parte, são até mesmo o oposto do que a universidade deve incutir.
Carlos J. F. Sampaio, Esposende
Jornal PÚblico, 14.Nov.2011