Miguel Vale de Almeida
http://valedealmeida.blogspot.com/2007/09/praxe-as-faculdades-que-permitem-as.html
Praxe
As faculdades que permitem as praxes, mesmo que apenas nos pátios ou espaços circundantes (como, infelizmente, acontece com a minha) estão a subscrever e a promover os piores valores. É assim como se nos seus cursos de comunicação social ensinassem o jornalismo com base no 24 Horas, ou nos de antropologia promovessem o racismo "científico", ou nos de física dissessem que Galileu era um herege. Pela minha parte lá vou dando aulas, gritando sobre o barulho que entra pelas janelas. Depois, nos corredores, e sobretudo nos pátios, é uma viagem pelo comboio-fantasma, uma aula viva de etologia animal, um parque temático medieval: orelhas de burro, bonecas insufláveis, machismo, homofobia, humilhações, hierarquias, celebração do privilégio. Ao menos que assumissem o lado animal da coisa: os machos (e as fêmeas adeptas do machismo) que montassem os júniores, seguindo-se um chichizinho para marcar o território. Iam ver que aliviava.
mva | 11:18|
Comments:
A pior memória que tenho da Universidade é a de, quando caloiro de Antropologia, no ISCTE, ver entrar na minha sala de aula (repito: na sala de aula!)alguns alunos do 3º ano do mesmo curso (de Antropologia), mascarados com umas vestes de inspiração eclesiástica e parecidas com a farda do Batman, propondo a realização de diversos rituais "praxísticos" aos presentes. Foi o mais violento e inusitado balde de água fria que levei e que quase me fez abandonar a academia naquele mesmo dia. Como era possível que alunos quase finalistas de uma formação em Antropologia fossem mentores de um ritual estúpido, rídiculo e que desafia a própria essência daquele ramo do saber? Desacreditei completamente o curso, mas achei que deveria insistir um pouco mais e combinei comigo mesmo que ficaria até ao final do 1º semestre e só depois decidiria se batia com a porta. Até porque tinha ali um novo desafio: tentar compreender como era possível que aqueles quase antropólogos, ao fim de três anos de curso, pareciam não terem ainda percebido o que andavam ali a fazer. Não desisti e acabei por conseguir algumas interpretações sobre o que está subjacente àquelas atitudes, embora isso seja um assunto demasiado complexo e extenso para explanar aqui.
Ainda assim, ainda hoje estranho que alguns professores de Antropologia, ao presenciarem semelhante espectáculo com os seus alunos, não se sintam impelidos a reflectir sobre a pedagogia utilizada na licenciatura.
Mesmo sem exigir que todos os licenciados em medicina fossem clones de Hipócrates acredito que os docentes de medicina ficariam seriamente preocupados se os seus formandos se dedicassem a práticas que atentassem contra a vida alheia. Para um antropólogo, a praxe é tão contranatura como seria, para um engenheiro de ambiente, fomentar indústrias poluentes!
Será que a obsessão relativista está a impedir a afirmação de uma ética na Antropologia? Mais do que a "matéria dada" não seria importante os docentes reflectirem sobre o que alunos fazem com essa "matéria" e que espécie de antropólogos estão a produzir? Não é importante lembrar que os docentes não são apenas produtores de artigos e teses científicas mas também "produtores" de antropólogos? E que é nas mãos desses alunos que estão a depositar o futuro da ciência que tão dilectamente defendem nas revistas da especialidade? Já terão reparado que as críticas que muitos alunos fazem ao curso e aos docentes são de tal modo inadequadas que só revelam que, mesmo depois de acabado o curso, nunca perceberam o que lá andaram a fazer?
Bem, estou com vontade de dizer muitas mais coisas, mas estou cheio de trabalho e não me posso perder por aqui. Aliás, acho mesmo que tenho de deixar de passar por este Blog, porque me provoca uma terrível incontinência verbal que incomoda toda a gente e não me deixa trabalhar. E eu até sou um tipo muito discreto e caladinho, mas há coisas que "mexem" comigo.
Obrigado ao autor e a todos os "colegas comentadores" por tudo o que me têm permitido aprender.