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Anti-Praxe

Lei n.º 62/2007, art. 75.º n.º 4 b) - Constituem infracção disciplinar dos estudantes: A prática de actos de violência ou coacção física ou psicológica sobre outros estudantes, designadamente no quadro das «praxes académicas».

Anti-Praxe

Lei n.º 62/2007, art. 75.º n.º 4 b) - Constituem infracção disciplinar dos estudantes: A prática de actos de violência ou coacção física ou psicológica sobre outros estudantes, designadamente no quadro das «praxes académicas».

Humilhar é possível!

20.10.08

 Pode haver liberdade para humilhar?

 20.10.2008, Rui Moreira

  

Apeteceu-me interromper a cerimónia, chamar-lhes pinguins viúvos e urubus e incentivar os caloiros a vingarem-se...

 

Há dias, à porta do Instituto Português de Oncologia, deparei com uma grande algazarra, que desrespeitava a proximidade do hospital. Tratava-se de uma daquelas miseráveis cerimónias iniciáticas a que se convencionou chamar de praxe. No caso, um grupo de jovens, envergando t-shirts com dizeres aberrantes, autoflagelava-se dando saltos idiotas e gritando palavras de ordem humilhantes, amestrados por um grupo de "gauleiterzinhas" com ar pedante. Ao vê-las, desengraçadas, disformes e desfeadas pelo negro das capas e pelas meias de vidro, lembrei-me de Jô Soares, apeteceu-me interromper a cerimónia, chamar-lhes pinguins viúvos e urubus de galocha e incentivar os caloiros a vingarem-se...
Esta irritação parecerá excessiva mas percebi, pelo que ouvi à minha volta, que não era o único a quem aquele espectáculo degradante incomodava. Aliás, incomoda também o ministro, que recentemente fez comentários oportunos e severos sobre o tema, advertindo que não toleraria mais excessos. Infelizmente, disse-o em vão, porque a hierarquia das instituições de ensino superior é cúmplice das associações de estudantes e incapaz de pôr cobro a esta prática. Veja-se o caso do infame Instituto Piaget, em que os abusos e excessos das praxes foram conhecidos através da denúncia de uma ex-aluna, onde a direcção começou por aprovar uma directriz que proibia as praxes durante a recepção aos caloiros mas logo a seguir recuou, submetendo-se a uma auto-intitulada Comissão de Tradições Académicas que, imagine-se, ameaçara com uma manifestação...
Detesto falsas tradições. Não gosto sequer das tunas, porque, com raras excepções, não têm piada nos seus exibicionismos e nas suas zarzuelas néscias que nos impingem em cerimónias públicas e eventos sociais. No caso da capa e batina, não se trata apenas de uma questão de estética, porque qualquer pessoa tem o direito de se mascarar como entende: o que me aflige e assusta é que muitos dos que as envergam não percebam, sequer, as origens obscurantistas do traje e que este constitua hoje um uniforme obrigatório em práticas violentas e humilhantes.
As praxes são, por tudo isto, uma prática a banir. Não proponho, naturalmente, que sejam proibidas, porque o país já não aguenta proibições que depois não são acatadas e porque isso só contribuiria para as incentivar na clandestinidade. Mas é indispensável que os caloiros saibam que elas não são obrigatórias e que sejam apoiados no sentido de se sentirem protegidos e de poderem denunciar, se for o caso, quem cometer algum abuso.
A integração dos recém-chegados à universidade não é compatível com a humilhação e a violência, nem se pode perpetuar o princípio da hierarquização da barbárie por antiguidade. Recordo-me da forma como fui recebido, em Inglaterra, quando lá cheguei para estudar. Lembro-me do apoio da Student's Union, dos Serviços Sociais da Universidade e dos tutores. Gostava que em Portugal, onde imitamos tanta coisa má que nos chega do estrangeiro, também conseguíssemos, de quando em vez, replicar o que é bom. Principalmente, tudo aquilo que tem a ver com as liberdades. Economista 
http://jornal.publico.clix.pt/

 

Cartoon de Henrique Monteiro

Publicado no Blog do M.A.T.A.