Lei n.º 62/2007, art. 75.º n.º 4 b) - Constituem infracção disciplinar dos estudantes: A prática de actos de violência ou coacção física ou psicológica sobre outros estudantes, designadamente no quadro das «praxes académicas».

11
Mai 19

Para além dos ditos, ingénuos e enganados que vão na manada, há os outros figurantes que se sentam nas Tribunas de Honra em dia de cortejo, e prestam honras ao que não é devido.

E no meio deste alcoholocausto, sem medo das palavras, por se tratar de uma verdadeira orgia de álcool que os meninos/as figurantes desempenham no desfile e os pais/mães embasbacados nas filas laterais do cortejo aplaudem ou consentem, os que dissentem são sempre os mesmos "velhos do restelo" que teimam(os) em querer melhorar o mundo.

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Um festival de “jabardices” e hipocrisia na Queima das Fitas

José Pacheco Pereira, 11 de Maio de 2019

https://www.publico.pt/2019/05/11/sociedade/opiniao/festival-jabardices-hipocrisia-queima-fitas-1872211

A Queima das Fitas é um evento da praxe, está associado à mesma cultura estudantil das “jabardices” da praxe.

Em vários casos ligados à praxe, nos últimos anos, houve de tudo, violações, vandalismo, todos os abusos do catálogo, feridos e mortos. Não é um exclusivo português.

Tudo isto conta com uma enorme complacência da sociedade, que só tem paralelo com a violência organizada das claques de futebol, trazidas por uma operação militar-policial para os estádios como um bando de mastins que precisam de açaimo.

A sociedade, a começar pelos paizinhos e mãezinhas dos meninos e das meninas, fecha os olhos para este festival de abusos da praxe, que faz explodir qualquer lista de causas “politicamente correctas”.

O que é interessante é ver o habitual cortejo de intelectuais que explicam as claques, os carnavais e as saturnálias como uma natural catarse social, mas ao mesmo tempo se preocupam muito com a violência de género, com o racismo, com o sexismo, etc. Meus caros amigos, tirem daí o sentido: não há futebol sem violência, não há Queima nem praxe sem sexismo nem violência de género. Está inscrito no ADN da coisa. Se querem acabar com um têm que acabar com o outro. E convém não esquecer que ambos são um bom negócio.

O comunicado da FAP e alguns comentários de especialistas são exemplos desta gigantesca hipocrisia.

Agora não me venham com a propaganda do “valor” deste tipo de actividades colectivas, porque sendo colectivas são uma questão social, económica, cultural e política. E aqui não está em causa qualquer moralismo, mas a defesa de alguma sanidade pública que as democracias e a liberdade precisam.

publicado por contracorrente às 23:30

17
Set 17

A imbecilidade da praxe e necessidade de quarentena dos seus praticantes
José Pacheco Pereira, 16 de Setembro de 2017, 7:10

Os artigos escritos com fúria são os mais fáceis de fazer. Este foi feito em péssimas condições, começou a ser escrito num restaurante num IPad, continuou numa sala de espera de uma estação de televisão e por fim numa viagem de carro, e acabou num café a 500 quilómetros do sítio original. Foi escrito em emails dirigidos a mim próprio, e não num processador de texto. Várias vezes tive de o enviar com medo de o perder. Mas, mesmo com todas as dificuldades de sítio, movimento, ruído e agitação, a fúria manteve-o vivo. Espero que os meus amigos revisores do PÚBLICO tenham em consideração este caos e me perdoem as gralhas, erros e mau estilo. Também não tenho contadores de palavras e caracteres, pelo que espero que não esteja nem pequeno, nem grande.

Aqui vai pois a fúria.

Há momentos em que se percebe muito bem por que razão este país não anda para a frente e um desses momentos é quando se traz para as ruas o espectáculo da praxe. As universidades, salvo raras e honrosas excepções, não a proíbem dentro das suas instalações, e, quando a escorraçam para os espaços públicos, as autarquias deviam tratá-las como um problema de saúde pública que exige uma forma qualquer de quarentena. Não o fazem. É por isso que não andamos para a frente.

As autarquias permitem que milhares de cidadãos sejam insultados pelo espectáculo da imbecilidade colectiva que se passa nos jardins e nas ruas. Aliás, o que se passa não é diferente do pastoreio das claques de futebol pela polícia de choque, em que um exército excitado e violento ameaça entrar em guerra com o exército do lado. Os espaços públicos pertencem ao público, a todos nós, não podem ser apropriados por actividades violentas e as praxes são um espectáculo de violência da estupidez. E a estupidez até pode matar, mas, mesmo que não mate, magoa a cabeça, o pensamento, a razão, a decência e boa educação. É por isso que não andamos para a frente.

Em muitos sítios não se pode fumar, ter atitudes “indecentes”, provocar os outros passeantes, mas, se forem os meninos e meninas da praxe, está tudo bem.

Mas não está. Se se quer permitir as praxes — o que para mim está bem fora das escolas e das ruas —, ao menos que se proceda com medidas de sanidade pública, como seja atribuir-lhes uns locais vedados, cercados por altos muros, os curros das praças de touros, ou os lotes vazios da selva urbana, os sítios poluídos onde ninguém quer ir, os matadouros abandonados, as fábricas em ruínas, aqueles cenários dos filmes de terror. Aí, se quiserem, podem dedicar-se a rastejar pelo chão, a lamber coisas inomináveis, a fazerem genuflexões “servis” como mandam os manuais da praxe. É por isso que não andamos para a frente.
Quem tem também muitas responsabilidades são os paizinhos e as mãezinhas dos dois lados da praxe, os que mandam e os seus servos, certamente também porque muitos deles andaram já nessas andanças e pelos vistos gostaram. Claro, quando as coisas correm mal, e já correram muito mal, então protestam, mas já é tarde de mais. Eu sei bem que muitos dos praxados e praxantes já são jovens adultos, sem estarem sujeitos à autoridade paternal, mas presumo que continuam a viver com as mamãs, e à custa dos progenitores, pelo que leverage existe — mas, como tudo neste infeliz país destes dias, não é exercido. Não é exercido pelas autoridades académicas que, quando muito, olham para o lado para não verem o nojo de tão baixa função em tão alta universitas, cheia de dignidade latina e de indignidade humana. É por isso que não andamos para a frente.

Não há nada de bom nas praxes, por muito que haja uma escola de sociólogos e antropólogos que aceitam sempre justificar tudo com o fabuloso argumento dos ritos de passagem e da “integração”. Mas, em bom rigor, o que é que distingue estas exibições de autoridade do segundo ano sobre os caloiros do consentimento social da violência doméstica? E afirmam que estas brincadeiras imbecis ajudam os meninos e meninas a “integrarem-se” nas universidades. Estou mesmo a ver os praxados a correrem para os livros no dia seguinte ao fim das semanas da praxe, já muito “integrados” em todas as virtudes dos altos estudos. É por isso que não andamos para a frente.

Tenho muita honra em ter toda a vida combatido estas imbecilidades socialmente perigosas, algumas vezes de forma, digamos, mais consequente. Não conto desistir e talvez assim assegure um lugar no paraíso e possa ver, da minha branca nuvem, as actividades dos diabos. Porque de uma coisa eu tenho a certeza — para entrar no Inferno há praxes, para “integrar” os malditos no exercício da autoridade diabólica, humilhando-os fazendo-os rebolar na lama sulfurosa do Inferno. Boa praxe!

https://www.publico.pt/2017/09/16/sociedade/noticia/a-imbecilidade-da-praxe-e-necessidade-de-quarentena-dos-seus-praticantes-1785607

publicado por contracorrente às 07:10

25
Jan 14

Um longo texto, por quem bem sabe escrever.

 

A abjecção das praxes
José Pacheco Pereira 25/01/2014 - 00:58
A praxe mata, às vezes o corpo, mas sempre a cabeça.

É-me pessoalmente repugnante o espectáculo que se pode ver nas imediações das escolas universitárias e um pouco por todo o lado nas cidades que têm população escolar, de cortejos de jovens pastoreados por um ou dois mais velhos, vestidos de padres, ou seja, de “traje académico”, em posturas de submissão, ou fazendo todo o género de humilhações em público, não se sabe muito bem em nome de quê.
Há índios com pinturas de guerra, meninas a arrastarem-se pelo chão, gente vestida de orelhas de burro, prostrações, derrame de líquidos obscuros pela cabeça abaixo, e uma miríade de signos sexuais, e gestos de carácter escatológico ou coprológico, que mostram bem a fixação dos rituais da praxe numa idade erótica que o dr. Freud descreveu muito bem.
A praxe mata, já tem matado, violado e agredido, enquanto todos fecham os olhos, autoridades académicas, autoridades, pais, famílias e outros jovens que aceitam participar na mesma abjecção. Já nem sequer é preciso saber se os jovens que morreram na praia do Meco morreram nalguma patetice da praxe, tanto mais que parece terem andado a seguir uma colher de pau gigante, fazendo várias momices, uma das quais pode ter-lhes custado a vida. Eu escreveria, como já escrevi noutras alturas, o mesmo, houvesse ou não houvesse o caso do Meco.
Tenho contra a praxe todos os preconceitos, chamemos-lhe assim, para não estar a perder tempo, da minha geração. A praxe quando estava na faculdade era vista como uma coisa de Coimbra, um pouco antiquada e parola, de que, felizmente, no Porto e em Lisboa não havia tradição. No Porto, onde estudava, havia um cortejo da Queima das Fitas e a percentagem de estudantes vestidos de padres com capa e batina aumentava por uma semana, mas durante o ano era raro ver tal vestimenta. A situação era variável de escola para escola, mas a participação em actividades ligadas com a praxe era quase nula. Aliás, qualquer ideia de andar a “praxar” os estudantes do primeiro ano era tão exótica como a aparição de um disco voador na Praça dos Leões.
Eu participei nessas escaramuças políticas, mas também culturais, e escrevi alguns panfletos, incluindo um, Queimar a Queima, que circulou pelas três universidades em várias versões e edições. Mas, na luta contra a praxe, tornava-se cada vez mais evidente já nessa altura que estava em causa não apenas a conjuntura desses anos de brasa estudantis, mas também uma recusa da visão lúdica e irresponsável da juventude, e que, se se tratava de um rito de passagem, era para a disciplina da ordem e da apatia política.
Ao institucionalizar a obediência aos mais absurdos comandos, a humilhação dos caloiros perante os veteranos, a promessa era a do exercício futuro do mesmo poder de vexame, mostrando como o único conteúdo da praxe é o da ordem e do respeito pela ordem, assente na hierarquia do ano do curso. Mas quem respeita uma hierarquia ao ponto da abjecção está a fazer o tirocínio para respeitar todas as hierarquias. Se fores obediente e lamberes o chão, podes vir a mandar, quando for a tua vez, e, nessa altura, podes escolher um chão ainda mais sujo, do alto da tua colher de pau. És humilhado, mas depois vingas-te.
http://www.publico.pt/sociedade/noticia/a-abjeccao-1621031

 

Versão mais extensa:

http://abrupto.blogspot.pt/2014/02/a-abjeccao-das-praxes-ver-nota-e-me.html

publicado por contracorrente às 09:05

30
Mar 11

"Tipos vestidos de gafanhoto ou padres do séc. XVIII".

Pacheco Pereira referindo-se aos representantes da AAC no Fórum Prós e Contras

publicado por contracorrente às 09:28

09
Jan 03

A Estupidez da Praxe


José Pacheco Pereira (Professor do ISCTE)
 

Público, 9 de Janeiro de 2003

Rito de passagem? Mas que passagem? A única coisa que os estudantes transportam do liceu para a universidade é a sua carga de ignorância. A cultura juvenil revê-se num mundo de grosseria e ignorância.

Se existisse uma colecção de retratos do nosso atraso, a cena da praxe ocorrida em Macedo de Cavaleiros era um deles. Saliente-se, aliás, que é apenas uma cena entre muitas que se repetem por todo o país de Braga a Faro e que esporadicamente são noticiadas, quando há uns estudantes corajosos que as denunciam, ou quando o abuso é intolerável e provoca danos. Ninguém, muito menos o ministério, nem os responsáveis pelas escolas, pode alegar desconhecimento.Parece que entre as cenas habituais das praxes aos caloiros, a julgar pela de Macedo de Cavaleiros, existe a prática de pôr os rapazes e as raparigas a quatro, feitos asno, cabra ou carneiro, mais ou menos vestidos, mas, pelo menos neste caso, com a roupa interior por fora, a ter que dizer umas obscenidades e a responder a umas perguntinhas perversas.
Conhecem-se mil e uma variantes, todas boçais, destas práticas.

Desta vez, mais uma vez, a brincadeira correu torta, porque a rapariga seviciada resolveu e bem queixar-se. O mais espantoso foi ver alguns estudantes, dirigentes académicos locais, a justificar o que se tinha passado - provavelmente já tinham estado numa idêntica postura a quatro a fazer de carneiros a balir e gostaram da experiência - e a dividir o mundo entre os a favor da praxe e "antipraxe". Sugeriam que alguém poderia evitar as cenas de humilhação sado-eróticas, com que se entretêm, proclamando-se "antipraxe", o que teria a penalização de serem excluídos das "actividades académicas".

Gostaria de saber se dinheiros das instituições universitárias, que vem dos nossos impostos, podem ser canalizados para grupos de estudantes que excluem das actividades financiadas que patrocinam os que se recusam a fazer tristes figuras de asno.

Rito de passagem? Mas que passagem? Cada vez mais a única coisa que os estudantes transportam do liceu para a universidade é a sua carga de ignorância. A cultura juvenil revê-se no Quim Barreiros, nas peripécias futebolísticas e no Big Brother, num mundo de grosseria e ignorância em que ler alguma coisa mais do que os jornais desportivos ou a "Caras" é excepcionalíssimo.
Aliás, a praxe e as claques futebolísticas partilham muita coisa em comum - a violência latente, o culto pela obscenidade, a demarcação clubística entre "nós" e "eles".
Tenho para mim que um dos sinais de degradação do ensino universitário nos últimos anos foi a progressiva introdução da praxe. Subitamente, após uma sadia desaparição da praxe nos anos 70, começou-se de novo a ver rapazes e raparigas vestidos de uma imitação de padres de gravata, o chamado "traje académico". Em muitos sítios onde este nunca fora "tradição", inventaram-se novos "trajes", todos eles ridículos e um pouco à moda dos bobos da corte das imagens medievais. Só lhes faltava pôr uns sininhos para parecerem o "coringa" dos baralhos de cartas.

A praxe acompanhou a progressiva perda de qualidade do ensino básico e secundário, a crescente diminuição da importância da leitura e da oralidade consistente no ensino, a substituição de critérios de exigência e qualidade pelo mito do ensino "sedutor", em que as crianças "bons selvagens" se tornavam "bons" e menos "selvagens", por uma escola amável e onde não era preciso o esforço. A praxe mostra que um dos resultados finais da ideia da escola "soft", das pedagogias não directivas, foi mais o despertar do "selvagem" do que do "bom", para desgosto de Rosseau.

A praxe estudantil foi sempre uma marca da mais provinciana universidade portuguesa - Coimbra -e dificilmente se implantou nas universidades de Lisboa e Porto, onde a população estudantil vivia em verdadeiras cidades, com vida própria fora do fechado mundo estudantil. Em Coimbra, uma cidade em grande parte dependente dos estudantes, dominada pela universidade, povoada por uma multidão de gente vinda do interior que aí habitava, vivendo em quartos e casas alugadas, o mundo do Palito Métrico floresceu. Os estudantes praxistas eram activos participantes da boémia da cidade e cultivavam uma cultura de estúrdia e do vinho, sob a suprema autoridade do estudante mais cábula, o "dux veteranorum", que obtinha o lugar na exacta proporção ao número de chumbos que tinha nos exames e aos anos que demorava a acabar o curso.

A crise de 1969 provocou uma rara união entre os praxistas e os estudantes mais politizados, com o "dux" a apoiar a greve e com a suspensão da praxe pelo "luto académico". Este acto acabou por muitos anos com a praxe em Coimbra e varreu-a das universidades onde era claramente uma importação e uma imitação - Lisboa e Porto.
No Porto, tenho no meu currículo de dirigente estudantil ter ajudado activamente a acabar com a ridícula parafernália dos "grelados" e "fitados", com as cartolas e penduricalhos que passeavam pela cidade durante a Queima das Fitas. Fui igualmente o autor anónimo, por razões óbvias, de um escrito com umas teses contra a Queima que circulou abundantemente nas três cidades universitárias.Nele, contrariamente ao que faziam os estudantes do PCP - que aceitavam a praxe, apenas achavam que ela devia ser suspensa por razões de "luto académico" -, combatia a praxe pela mundividência cultural que lhe estava associada, pelo seu conteúdo machista e marialva, pelo seu reaccionarismo estético, pela sua infantilização dos estudantes como seres irresponsáveis, que só serviam para brincadeiras de mau gosto.
A Queima era então no Porto uma sucessão de "saraus", entremeados de "rallies", touradas, bênçãos, bailes, culminando num cortejo de carros e piadas que não tinham graça nenhuma e deixavam um rasto de gente bêbada por toda a cidade. Há poucos anos tive ocasião de observar o mesmo espectáculo decadente em Coimbra, só que o vinho tinto era substituído por "shots" e cerveja, não encontrando praticamente um estudante que estivesse sóbrio no dia do fim da Queima.

Os hábitos da praxe que hoje são um anacronismo insensato remetem para um mundo corporativo medieval, para uma época em que as universidades tinham regimento e polícia e em que os estudantes se defendiam da autoridade dos "lentes", construindo um mundo de regras autónomas que reproduziam, aliás, o ambiente igualmente claustrofóbico da universidade "séria". Mas Coimbra nunca foi Heidelberg e o ambiente fechado, que páginas e páginas de sátira e de crítica já tinham denunciado, pela pena dos escritores século XIX e XX, não favorecia a liberdade de espírito, nem qualquer irreverência. Hoje no século XXI, a praxe é um traço anacrónico que puxa Portugal para um passado de que, mais que tudo, as universidades o deviam libertar.

publicado por contracorrente às 07:36

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“Quando fizermos uma reflexão sobre o nosso séc. XX, não nos parecerão muito graves os feitos dos malvados, mas sim o escandaloso silêncio das pessoas boas." Martin Luther King "O mal não deve ser imputado apenas àqueles que o praticam, mas também àqueles que poderiam tê-lo evitado e não o fizeram." Tucídedes, historiador grego (460 a.c. - 396 a.c.)
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